Clinicamente é caracterizada pela perda progressiva das funções
neurológicas e motoras após um período de desenvolvimento aparentemente
normal, que vai de 6 a 18 meses de idade. Após esta idade, as
habilidades adquiridas (como fala, capacidade de andar e uso
intencional das mãos) são perdidas gradativamente e surgem as
estereotipias manuais (movimentos repetitivos e involuntários das
mãos), que é característica marcante da doença.
Histórico
Em 1954, o pediatra austríaco Andreas Rett (1924-1997) observou, na
sala de espera de seu consultório, duas pacientes sentadas lado a lado,
que apresentavam sintomas bem parecidos. Revisando os prontuários de
seu consultório, verificou que havia mais seis meninas semelhantes
àquelas. Isto despertou nele o interesse em estudar aquela doença
neurológica e ele deu início à procura por pacientes que apresentavam
sintomas semelhantes.
Em 1966, Dr. Rett publicou os resultados de seu estudo inicial
sobre esta "nova" doença e nos anos seguintes novos artigos sobre o
assunto. Entretanto, seu trabalho teve pouca repercussão, uma vez que
seus artigos foram publicados em revistas científicas em alemão.
Paralelamente, a partir da década de 60, o médico sueco Dr. Bengt
Hagberg ( nasc. 1923) iniciou um estudo sobre suas pacientes que
apresentavam sintomas semelhantes aos descritos pelo Dr. Rett. Embora
seus estudos estivessem sendo realizados de forma independente, estes
dois médicos haviam relatado a mesma doença e, em 1983, o Dr. Hagberg
publicou o primeiro trabalho científico em inglês sobre esta doença e a
chamou de síndrome de Rett. A partir deste momento, a comunidade
científica de todo o mundo voltou suas atenções para a síndrome de
Rett, na tentativa de determinar sua causa.
Sintomas
O diagnóstico da síndrome de Rett é baseado na avaliação clínica da
paciente e deve ser feito por um profissional habilitado para tal, como
neurologistas e pediatras.
Este diagnóstico é feito com base nos critérios diagnósticos estabelecidos, que consistem em:
- Critérios necessários (presentes em todas as pacientes).
- desenvolvimento pré-natal (antes do nascimento) e perinatal (pouco tempo depois de nascer) aparentemente normal;
- desenvolvimento psicomotor normal até os 6 meses de idade;
- perímetro cefálico (circunferência da cabeça) normal ao nascimento;
- desaceleração do perímetro cefálico após 6 meses de idade;
- perda do uso propositado das mãos;
- movimentos manuais estereotipados (torcer, apertar, agitar, esfregar, bater palmas, "lavar as mãos" ou levá-las à boca);
- afastamento do convívio social, perda de palavras aprendidas, prejuízos na compreensão, raciocínio e comunicação.
- Critérios de suporte (presentes em algumas pacientes):
- distúrbios respiratórios em vigília (hiperventilação, apneia, expulsão forçada de ar e saliva, aerofagia);
- bruxismo (ranger os dentes);
- distúrbios do sono;
- tônus muscular anormal;
- distúrbios vasomotores periféricos (pés e mãos frios ou cianóticos);
- cifose/escoliose progressiva;
- retardo no crescimento;
- pés e mãos pequenos e finos.
- Critérios de exclusão (ausentes nas pacientes):
- órgãos aumentados (organomegalia) ou outro sinal de doenças de depósito;
- retinopatia, atrofia óptica e catarata;
- evidência de dano cerebral antes ou após o nascimento;
- presença de doença metabólica ou outra doença neurológica progressiva;
- doença neurológica resultante de infecção grave ou trauma craniano.
Evolução clínica.
De acordo com a evolução e sintomas, a síndrome de Rett é classificada em duas formas:
- clássica;
- atípica.
Na forma clássica, o quadro clínico evolui em quatro estágios definidos:
- Estágio 1 - de 6 a 18 meses de idade.
- ocorre desaceleração do perímetro cefálico (reflexo do prejuízo no desenvolvimento do sistema nervoso central);
- alteração do tônus muscular (às vezes parece "molinha");
- a criança interage pouco (muitas são descritas como crianças "calmas") e perde o interesse por brinquedos.
Neste estágio, os primeiros sintomas da doença estão surgindo, mas
muitas vezes nem são percebidos pelos pais (especialmente se são
"marinheiros de primeira viagem") ou pelos médicos (muitos deles
desconhecem a síndrome de Rett).
- Estágio 2 - de 2 a 4 anos de idade.
- ocorre regressão do desenvolvimento;
- inicia-se a perda da fala e do uso intencional das mãos, que é substituído pelas esteretipias manuais;
- ocorrem também distúrbios respiratórios, distúrbios do sono (acordam à noite com ataques de risos ou gritos);
- manifestações de comportamento autístico.
- Estágio 3 - de 4 a 10 anos de idade.
- a regressão é severa neste estágio e os problemas motores, crises convulsivas e escoliose são sintomas marcantes.
- há melhora no que diz respeito à interação social e comunicação (o contato visual melhora), elas tornam-se mais tranquilas e as características autísticas diminuem.
- Estágio 4 - a partir dos 10 anos de idade.
- caracterizado pela redução da mobilidade, neste estágio muitas pacientes perdem completamente a capacidade de andar (estágio 4-A), embora algumas nunca tenham adquirido esta habilidade (estágio 4-B);
- escoliose, rigidez muscular e distúrbios vasomotores periféricos são sintomas marcantes;
- os movimentos manuais involuntários diminuem em frequência e intensidade;
- a puberdade ocorre na época esperada na maioria das meninas.
Nas formas atípicas, nem todos os sintomas estão presentes e os
estágios clínicos podem surgir em idade bem diferente da esperada.
Algumas doenças neurológicas compartilham sintomas com a síndrome
de Rett e isto pode dificultar o diagnóstico clínico especialmente nos
primeiros estágios da forma clássica (ou no caso de formas atípicas).
Quando os primeiros sintomas da síndrome de Rett estão surgindo, muitas
pacientes são diagnosticadas de forma equivocada como autistas, por
exemplo. É importante que os profissionais de saúde estejam atualizados
e conheçam sobre a síndrome de Rett para que sejam capazes de realizar
o diagnóstico diferencial. Uma vez que o diagnóstico precoce facilita o
estabelecimento de uma estratégia terapêutica adequada, a INFORMAÇÃO É
FUNDAMENTAL.
Embora ainda não tenha sido descoberta a cura da síndrome de Rett,
as pacientes que são acompanhadas de forma adequada podem ter uma vida
melhor e mais feliz. E TAMBÉM VALE LEMBRAR: a síndrome de Rett não
restringe a expectativa de vida das pacientes.
Causa
Como falamos no título "Histórico da síndrome de Rett", após a
década de 80 foi iniciada a busca pela causa da síndrome de Rett.
Várias hipóteses foram propostas para explicar a doença, mas quando
vários casos familiares (dentro da mesma família) foram relatados,
ficou claro que a doença tinha uma causa genética.
Na década de 90, os pesquisadores estiveram empenhados em descobrir
então qual era o gene (um ou vários?) e, no ano de 1999, a equipe
chefiada pela Dra. Huda Zoghbi descobriu que a síndrome de Rett é
causada por mutações (alterações) em um gene localizado no cromossomo
X. Este gene, chamado MECP2 (do inglês methyl-CpG-binding protein 2)
- e que nós pronunciamos "mec-pê-dois" - é um gene muito importante no
controle do funcionamento de outros genes, desde o desenvolvimento
embrionário. Ele codifica (produz) uma proteína (chamada MeCP2) que
controla a expressão de vários genes importantes para o desenvolvimento
dos neurônios (ou seja, quando e onde estes genes são expressos) em
todos os vertebrados. Fazendo uma analogia e simplificando (bastante),
a MeCP2 funciona como um dimmer (aquele botão que regula a intensidade
da luz) e então podemos explicar a causa da síndrome de Rett da
seguinte forma: nas pacientes afetadas pela síndrome de Rett, a MeCP2
não é capaz de funcionar corretamente e todo o desenvolvimento dos
neurônios do embrião fica comprometido.
É importante lembrar que mutações no DNA ocorrem em todas as nossa
células, ao longo de nossas vidas, todos os dias, sem que possamos
saber ou controlar. Portanto, os pais e mães de pacientes afetadas pela
síndrome de Rett, assim como pais de pacientes afetados por qualquer
doença de origem genética, JAMAIS DEVEM SE SENTIR CULPADOS.
Uma ponta de grande esperança
Em 23 de fevereiro de 2007 foi publicado um artigo considerado um
dos marcos recentes na pesquisa sobre a síndrome de Rett. O artigo
relata os resultados da pesquisa chefiada pelo Dr. Adrian Bird, que
demonstrou que os sintomas da síndrome de Rett são reversíveis em
camundongos. O trabalho consistiu, resumidamente, no uso de uma
linhagem de camundongos geneticamente modificada, que teve um trecho de
DNA introduzido na região do gene MECP2, o qual teve sua expressão
bloqueada, e por consequência os animais apresentavam sintomas da
síndrome de Rett. A remoção deste trecho de DNA foi induzida quando os
animais receberam injeções de uma droga chamada tamoxifeno e após algumas semanas eles deixaram de apresentar os sintomas.
Estes resultados causaram grande furor entre os pais de pacientes,
pois muitos pensaram que havia sido descoberta uma droga para curar a
doença. Na verdade, o tamoxifeno fez parte do protocolo experimental do estudo e não é uma cura.
Assim, o que este trabalho evidenciou foi a reversibilidade dos
sintomas da doença em modelos animais. Este foi um estudo preliminar e
por isso requer aprofundamento. Até chegar às pesquisas com pacientes
será uma longa caminhada. Apesar disso, os resultados obtidos pelo
grupo de pesquisa indicam que há uma esperança para o desenvolvimento
de terapias que possam restabelecer algumas das habilidades das
pacientes e, talvez, levar à cura da síndrome de Rett.
Fonte: www.bengalalegal.com
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